Reproduzo novamente abaixo um post (que estava alojado noutra plataforma), que tinha sido originado por conta de uma petição iniciada no final de 2015, da qual fui o primeiro subscritor, contra as elevadíssimas percentagens de endogamia académica, próprias de um país do terceiro-mundo, e o qual desde essa data foi sendo objecto de várias actualizações, mas que hoje constatei que tinha desaparecido, alegadamente ao que me contaram, por conta de um problema informático, sendo pertinente referir que antes desse estranho desaparecimento o mesmo contava já com mais de 16.000 visualizações:
Aqueles largas centenas de
Colegas que subscreveram esta petição, no link acima, fizeram-no porque reconhecem que
existem problemas graves na Academia, relacionados com o recrutamento, seleção
e promoção de Professores,
vide os vários textos mencionados abaixo e bem assim as centenas de
comentários deixados
no site da petição. Questão diferente e bem mais controversa, reside em se saber
porque motivo as instituições que lá fora
lideram ou simplesmente seguem as melhores práticas internacionais, a que alude
o preâmbulo do ECDU, conseguem tal sem
a isso estarem obrigadas por nenhuma Lei, enquanto outras por cá denotam uma
estranha atracção por divergir
dessas mesmas práticas, necessitando por conseguinte de Leis que obstem a essa
pulsão desviante.
Em 5-04-2019 o
professor catedrático Diogo Ramada Curto da Universidade Nova de Lisboa afirmou
ao Jornal de Negócios que: “os
mecanismos clientelares nas universidades são muito fortes”
Em 6-03-2019 o
escritor João Pedro George escreveu na revista Sábado artigo sobre os cursos de
Direito referindo que “a FDUL é uma espécie de grande
família...composta de várias pequenas famílias (ou grupos tribais) onde os
cargos docentes são tratados como
mercadorias..."
Em 2-03-2019 David
Marçal e Maria Manuel Mota dão entrevista sobre a academia Portuguesa e
enquanto o primeiro fala daqueles que sobem pela
vassalagem já a Maria Manuel Mota, diz que a endogamia académica: “dá mau nome
ao parasitismo”
Em 1-03-2019 Gonçalo
Quadros, Fundador e CEO da Critical Software, vencedor do Prémio Universidade
de Coimbra disse ao jornal Público
disse que: "Há uma certa cultura de consanguinidade na universidade
portuguesa, de endogamia, que limita fortemente o
mérito"
O jornal Público de 16-02-2019
contém artigo que aborda a endogamia académica e relata que as suas
consequências são que: “As pessoas
em vez de ciência estão a fazer política de corredores e a universidade
torna-se uma maneira de arranjar salários para os
amigos...” https://www.publico.pt/2019/02/16/ciencia/prepublicacao/endogamia-academica-vale-bebado-conhecido-alcoolico-anonimo-1862161
Em Outubro de 2018 a
A3ES publicou um estudo sobre a Caracterização do corpo docente do ensino
superior português, onde a palavra
endogamia aparece referida bastantes vezes, nada menos do que 194.
Em 17 de
Junho de 2018 o catedrático jubilado José Ferreira Gomes escreve no Público
que:
"Beneficiam
aqueles que acumulam mais trabalho (e alguns favores aos mais velhos)...
Os lugares são muitas vezes abertos
apenas quando alguém da casa bateu à porta do reitor e poucos candidatos
externos se prestam ao provável vexame de
uma avaliação caseira,..." https://www.publico.pt/2018/06/17/sociedade/opiniao/sim-a-uma-nova-carreira-universitaria-1834000#gs.VmQ3Pfmq
Em
23-09-2017 o Expresso publicou declarações do Ministro da Ciência
Tecnologia e Ensino Superior pelas quais o mesmo comenta o estudo da
DGEEC e em que aquele diz ser inadmissível que haja cursos com percentagens de endogamia de 100% e também
que é preciso combater as corporações nas universidades
porém logo aproveita pa ra lavar as mão dizendo que não é polícia das
universidades ! Palavras de um Ministro cuja coragem só lhe chegou para
combater as praxes e que sem dúvida alguma não
ficará para a história pelo denodo com que combateu as tais corporações
universitárias, cegamente
confiando/esperando quiçá que elas se combatessem a elas próprias !
Em 21 de
Setembro de 2017 foi tornado público um estudo da DGEEC sobre o fenómeno da
endogamia académica nas universidades Portuguesas.
Estudo esse que foi objecto de artigo no jornal Público https://www.publico.pt/2017/09/21/sociedade/noticia/no-ensino-superior-nao-e-o-merito-que-comanda-as-contratacoes-17861461786146 No mesmo
merecem destaque as compugentes declarações do Catedrático José Ferreira Gomes, Secretário de Estado do
Ensino Superior no XIX Governo e do Ensino Superior e da Ciência no XX Governo,
que diz (pasme-se) que a endogamia
existe porque na sua génese está um problema humano ! No
entendimento daquele Colega a violação dos princípios
constitucionais do mérito e da igualdade têm afinal uma explicação humanística.
Os júris não são assim culpados de
violação do dever de imparcialidade mas apenas "culpados" de terem um
coração muito generoso...para com os
candidatos da casa Também muito se estranha que o Público tenha logo ido pedir
conselho precisamente a quem
enquanto Secretário de Estado durante 2 Governos fez rigorosamente nada para
tentar resolver o problema da endogamia. Não
menos estranha é a afirmação do antigo Secretário de Estado quando diz que o
diploma do emprego científico
constitui "uma oportunidade dourada" para reverter o fenómeno,
esquecendo-se porém que em artigo publicado no inicio deste
ano tinha escrito que o referido diploma até iria agravar o problema da
endogamia !
Também em
Março foi conhecido recente documento interno do Dep. de Física do IST
disponível em https://www.docdroid.net/Qv14n3X/seleo-de-candidatos-fsica-ist.pdf.html
o qual contém
recomendações sobre as linhas de selecção de candidatos pode ler-se que: "a
justificação das propostas de abertura
de concursos e/ou dos critérios/pesos adotados na elaboração dos editais deve
ser acompanhada dos curricula
vitae de potenciais candidatos"
Em Março o
Presidente do SNESUP escreveu que [/b]"No Ensino Superior e Ciência,
acusações de endogamia e concursos
viciados caminham em paralelo com fenómenos de desvalorização e precarização"
Na edição do semanário Sol
publicada em 25 de Fevereiro o Professor Catedrático José Ferreira Gomes
refere que as propostas que se preparam
para a ciência vão incentivar a mediocridade e agravar ainda mais o problema da
endogamia académica. https://www.docdroid.net/xYXU9s1/artigo-25-fev-2017-ex-secretrio-de-estado.pdf.html
Em 9 de
Fevereiro o Professor Catedrático Arnaldo Videira escreveu a propósito da
avaliação de desempenho universitária sobre um
regime "que frequentemente privilegia os “amigos” e lambe-botas em
detrimento do mérito"
Em 13 de
Janeiro de 2017 o historiador Rui Tavares, escreveu que "contrata-se
quem já é da casa ou já fez favores à
casta, em concursos de regras abstrusas que servem mais para eliminar
candidatos inoportunos do que para ampliar o
leque de escolha "
O Professor Catedrático
José Ferreira Gomes que foi Secretário de Estado do Ensino Superior no XIX
Governo e do Ensino Superior e da
Ciência no XX Governo, escreveu em 30 de Dezembro de 2016 que "Não é
surpreendente que as decisões
de recrutamento de docentes a todos os níveis nem sempre favoreçam os mais
promissores. É compreensível que as
decisões de abertura de concursos, de constituição de júris e de seriação pelos
júris pareçam perseguir outros objetivos...Todos
estão de acordo em criticar o inbreeding, mesmo aqueles que participam nos
processos que o reforçam"
Foi por
certo a primeira vez que um Colega que exerceu
funções governativas ainda por cima logo em dois Governos da República
reconhece, ainda que o tenha feito em termos
abstratos, a existência de concursos manipulados na academia.
O Presidente do Conselho
Nacional da Educação escreveu no relatório do Estado da Educação apresentado em
26 de Setembro
de 2016, que a endogamia académica coloca em causa a equidade e o
mérito na carreira universitária e é responsável pela
paroquialização das equipas de investigação cientifíca cuja maioria não vai
além da mediania: https://www.publico.pt/2016/09/24/sociedade/noticia/professores-convidados-mantem-tendencia-do-ensino-superior-para-a-endogamia-1745056?frm=ult
No mesmo relatório consta
ainda o seguinte texto: Em países onde a endogamia representa um
problema,a possibilidade
de contratar os melhores candidatos é reduzida, apesar da “fachada” dos
concursos abertos, aparentemente
transparentes e competitivos...Os processos de seleção, embora formalmente
baseados na avaliação padronizada
das candidaturas, são na prática baseados na avaliação informal das
competências individuais e dos relacionamentos
pessoais durante a formação, o que resulta no ‘favoritismo do candidato
local’... Este tipo de contratação
não só abre a porta à corrupção, como é injusto para aqueles que não
criaram relações pessoais dentro do departamento
ou que mudaram de instituição de ensino superior. Desde modo, a independência
intelectual e a mobilidade
são castigadas.
Em 6 de Agosto de 2016 o
semanário Sol publicou uma longa entrevista ao Professor Catedrático Jubilado
Jorge Calado do IST, onde aquele
afirmava que muitos Professores Universitários são selecionados tendo como
critério não irem fazer sombra aos que
já lá estão. Trata-se de um básico mecanismo de sobrevivência de Professores
medíocres que apenas um sistema de
recrutamento caduco permite e o qual já foi analisado aqui https://link.springer.com/article/10.1007/s11024-013-9231-0
Durante o ano de 2016 nove
colegas divulgaram uma carta aberta sobre um concurso para selecionar um
Professor de Matemática que recebeu 38
candidaturas (algumas até de colegas com prémios Gulbenkian, alguns com
currículos longos tanto cientifica
como pedagogicamente) e onde o candidato selecionado foi precisamente aquele
que não tinha nenhum artigo científico
nem atividade científica conhecida na área do concurso.
O Professor Catedrático
Luís Campos e Cunha da Universidade Nova de Lisboa escreveu no site da petição, em 2016, que a endogamia académica é um
problema muito grave que incita e fomenta o lambe-botismo das hierarquias
instaladas. Também o Professor
Catedrático Armando Machado da Universidade do Minho escreveu "A
progressão na carreira universitária
portuguesa depende ainda em larga medida de padrões de obediência e
subserviência a mentores e exorientadores que, por
sua vez, com muita frequência manipulam os júris de avaliação"
Destaque para o texto abaixo extraído de uma comunicação dos investigadores Orlanda Tavares, Vasco Lança e Alberto Amaral apresentada em Setembro de 2015 numa conferência realizada na Áustria, comunicação essa onde se refere que Portugal é um dos campeões europeus da endogamia académica: “inbreeding is likely to damage candidates’ equal opportunities and the university’s quality of teaching and research...academic inbreeding restricts the possibility of hiring the best potential candidates for academic appointments... Although in many countries recruitment procedures occur through open calls for positions, which appear to be fair and transparent... in inbred countries "these ‘open and competitive’ procedures are essentially pretense, as no one believes in the possibility of genuinely fair chances for outsiders”
Em
1 de Novembro de 2014 recebi de um conhecido ex-Reitor de uma
universidade pública um email onde se podia ler o seguinte: "Conhecem-se concursos que são ganhos
por candidatos exteriores, devido ao mérito dos seus curricula, mas que
são acolhidos nessas instituições como se se tratassem de intrusos ou mesmo de
inimigos. A introdução no
ECDU de alguns critérios que impedissem a endogamia seria de enorme
interesse"
O Professor Catedrático
Jubilado Mário Vieira de Carvalho da Universidade Nova de Lisboa escreveu em 2009 "tem-se dado como provado
em tribunal que há membros do júri que, com o intuito de favorecer um candidato
em detrimento de outro, fazem
tábua rasa das grelhas de avaliação que o próprio júri aprovara"
O Professor Emérito do MIT
Michael Athans escreveu em 2001 sobre a sua estada no IST e em particular sobre o
problema da endogamia merecendo destaque a trágica previsão "inbreeding may also lead to a serious
mediocrity in the Portuguese educational system for the next 30-40 years...some “academic dictators”
encourage hiring their mediocre students and employ inbreeding as a means of hiding their academic incompetence and
inferior research capabilities":
O Professor Catedrático Vital Moreira da Universidade de Coimbra escreveu em Julho de 2000, sobre o problema da endogamia em geral e os consequentes concursos com fotografia em particular "na maior parte dos casos os lugares só são postos a concurso quando alguém "da casa" esteja em condições de concorrer. Depois, normalmente ninguém de fora da instituição ousa apresentar-se a concurso. Finalmente, o concorrente único é sempre admitido... com a ajuda de júris amistosamente escolhidos.":
O Professor Catedrático Orlando Lourenço, da Universidade de Lisboa, deve ter sido o primeiro, quando em Junho de 2000 escreveu que a endogamia era o primeiro inimigo da universidade Portuguesa. Mas disse muito mais, disse também que na Academia Portuguesa, "é a obediência, quando não a mediocridade, que são recompensadas"
Aqui ao lado na vizinha
Espanha a academia padece de idêntica enfermidade, ainda assim com uma
percentagem de endogamia média inferior à
das universidades Portuguesas, contudo os Colegas Espanhóis há muito que estão conscientes da gravidade
deste problema e das consequências perversas da endogamia para a docência e
para a investigação. Como refere
o Catedrático Jordi Caballé, da Universidade Autónoma de Barcelona: "Los
centros más endogámicos,
los que se muestran menos abiertos a la incorporación de talentos externos, son
también los más fosilizados".
Um recente artigo do
Catedrático José Ginés-Mora, da Universidade de Valência é também bastante
incisivo na condenação da endogamia
universitária "la endogamia es consecuencia de corruptelas: se favorece al
familiar, al amiguete o
simplemente al “cliente” del que se espera fidelidad en el futuro"
Igual destaque merece um
outro artigo muito esclarecedor do Catedrático Andrés Betancor "Es corrupción
cuando se trata de un
contrato de 10.000 euros para organizar un evento...pero cuando se trata de la
adjudicación de una plaza de catedrático
es … endogamia"
E também um outro recente
do Catedrático Carlos Gorriarán que escreveu que "Todos estos
escándalos tienen una raíz común: la
endogamia y sus redes clientelares, que hacen muy difícil acceder a la
universidad como profesor e investigador
si no es bajo el patrocinio clientelar del grupo dominante en el departamento,
que después tratará de condicionar
y dirigir la carrera académica del novato. Bajo la regla del favor debido y
concedido, y del silencio de los beneficiados
y aspirantes a serlo, se toleran y perpetran demasiados atropellos."
Ou ainda mais recentemente
em Fevereiro de 2017 a acusação da Catedrática Rosa Berganza candidata a
Reitora da Universidade Rei Juan
Carlos de Madrid instituição que acusou de funcionar como uma rede clientelar "ao
mais puro estilo mafioso" http://politica.elpais.com/politica/2017/02/09/actualidad/1486639585_879039.html
No entanto os Colegas
Espanhóis são muito mais proactivos a denunciar irregularidades concursais e outras
através de uma plataforma criada pela
Associação para a Transparência: http://www.corruptio.com/web/main/main.htm iniciativa que está longe, pelo menos num
futuro próximo, de vir a ser replicada em Portugal, talvez porque, como
escreveu no Público o Colega André Freire do
ISCTE em 8 de Janeiro de 2016, existem na universidade Portuguesa várias
condicionantes que "estimulam
a domesticação dos docentes".
Ricardo Cabral, Francisco
Louçã e Bagão Félix escreveram sobre a importância de se contribuir para
combater “a danosa tendência
para a indiferença, que transforma a omissão num caminho, o adiamento num meio,
a apatia numa consequência,
a insensibilidade numa regra” e o antropólogo António
João Maia escreveu recentemente que “os atos de corrupção
e fraude que as mais das vezes ocorrem no contexto da ação de organizações
(públicas ou privadas) são praticados
por indivíduos (funcionários ou trabalhadores) dessas organizações que revelam
deficiências na interiorização dos
valores éticos e morais...” é por isso lícito perguntar:
1 - será que um Professor que
participa activamente na viciação de um procedimento concursal, ou que seja o
beneficiário directo desse crime, reúne
suficientes condições de isenção e imparcialidade, para avaliar os seus alunos
de forma rigorosa sem que se corra
o risco de favorecer alguns deles ?
2 - será que não existe risco
desse Professor poder “contaminar” os seus alunos contribuindo para o
aumento da probabilidade destes
poderem vir a padecer de deficiências da mesma natureza?
3 - e será que quando se
acaba de saber que um projecto de investigação financiado pela FCT,
desenvolvido pelo Centro de Estudos Sociais da
Universidade de Coimbra, que envolveu 180 cursos, 7.292 alunos e cerca de 2.700
docentes com o título “A ética dos
alunos e a tolerância de professores e instituições perante a fraude académica
no Ensino Superior” confirma a existência de
uma elevada incidência de fraude académica em Portugal, num país onde muitos
daqueles que deviam constituir-se como
modelos de comportamento se pautam afinal por uma relatividade ética e moral,
permanente e generalizada, de que os
famigerados e miseráveis “Papéis do Panamá” constituem apenas “a ponta do
icebergue”, não deveria a contratação de
Professores Universitários merecer neste contexto redobradas preocupações, por
forma a ser feita de forma
transparente, rigorosa e no respeito pelos princípios da justiça, da
imparcialidade e do mérito, consagrados na Constituição da Republica Portuguesa ?